Pillar Two e a Reforma Tributária Internacional

Nos últimos anos, a crescente digitalização da economia e a globalização tornaram desatualizadas muitas regras tributárias internacionais. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com o G20, liderou os esforços para abordar os problemas de erosão da base tributária dos países e garantir que as empresas multinacionais paguem uma quantidade justa de impostos, onde quer que operem. Dessa iniciativa nasceu o Pillar Two (Pilar Dois), também conhecido como Global Anti-Base Erosion (GloBE). Trata-se de uma ampla iniciativa de reforma tributária internacional que faz parte de um plano em dois pilares, cujo objetivo é adaptar as regras tributárias globais ao cenário econômico digital e globalizado. A proposta foi elaborada em resposta a problemas de erosão da base tributária e transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifting – BEPS), práticas que permitiam que empresas multinacionais deslocassem lucros para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, independentemente de onde suas atividades econômicas ocorriam de fato.

No Pillar One da reforma, o objetivo é garantir que as empresas multinacionais, especialmente as gigantes digitais, sejam tributadas onde seus consumidores e usuários estão, mesmo que não tenham presença física significativa nesse país. Ele é voltado principalmente para resolver os desafios tributários que surgem com a digitalização da economia.

Já o Pillar Two (GloBE) estabelece um imposto mínimo global sobre as empresas multinacionais. Ele foi projetado para garantir que todas as grandes corporações paguem um nível mínimo de imposto, independentemente da jurisdição onde estejam sediadas ou onde obtenham seus lucros. O objetivo é evitar uma concorrência predatória, na qual países competem por investimentos oferecendo regimes de tributação ultrabaixos ou isenções fiscais. Ou seja, o Pillar Two visa a evitar que as multinacionais abusem de lacunas nas leis tributárias de diferentes países para reduzir artificialmente suas obrigações fiscais, criando, assim, um sistema mais equitativo, em que a arrecadação de impostos reflete melhor onde a atividade econômica de fato ocorre. Isso garante uma concorrência justa entre as nações em termos de tributação corporativa.

Essa reforma reflete um esforço global sem precedentes para garantir que o sistema tributário internacional seja mais justo e adaptado à economia moderna e gera impactos significativos sobre a forma como as empresas multinacionais gerenciam suas estruturas fiscais.

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Como Funciona

O Pillar Two introduz um imposto mínimo global de 15% sobre os lucros de grupos multinacionais com receitas consolidadas anuais acima de 750 milhões de euros. Se uma empresa paga menos de 15% em uma jurisdição específica, o país de origem da matriz da empresa pode cobrar um imposto adicional para garantir que a alíquota atinja o mínimo global.

O principal componente do Pillar Two são as Regras Globais Anti-Erosão da Base Tributária (Global Anti-Base Erosion – GloBE Rules). Elas estabelecem um mecanismo para calcular e cobrar o imposto mínimo de 15%. Essas regras funcionam da seguinte forma:

  • Cálculo da alíquota efetiva de imposto (Effective Tax Rate – ETR): O ETR é calculado para cada jurisdição onde a multinacional opera, dividindo o imposto total pago pelos lucros auferidos nessa jurisdição.
  • Top-up Tax (Imposto Adicional): Se o ETR for inferior a 15% em uma jurisdição, a diferença (ou “top-up tax”) será cobrada para ajustar a alíquota. Esse imposto adicional será recolhido pela jurisdição da matriz ou, em alguns casos, pela jurisdição de uma subsidiária intermediária.

As regras do Pillar Two incluem dois principais mecanismos de cálculo e aplicação de impostos adicionais: o Income Inclusion Rule (IIR), segundo o qual a matriz da empresa multinacional recolhe o imposto adicional quando as subsidiárias em outras jurisdições estão pagando uma alíquota de imposto efetiva inferior a 15%; e o Undertaxed Payment Rule (UTPR), que atua como um complemento à IIR. Quando a IIR não pode ser aplicada adequadamente, a UTPR permite que outros países cobrem o imposto adicional sobre as empresas do grupo que estejam baseadas em suas jurisdições e que façam pagamentos a subsidiárias em países de baixa tributação.

O Pillar Two reconhece algumas exceções e mecanismos de alívio, como os chamados Safe Harbors (Portos Seguros),  que podem ser usados em situações onde o impacto da tributação mínima global é considerado baixo; e os incentivos para que as empresas possam continuar aproveitando certos benefícios fiscais legítimos, mas com mais transparência e controle.

Por sua vez, os países precisam adaptar suas legislações internas para implementar o Pillar Two. Alguns podem optar por ajustar seus sistemas fiscais ou criar novas regras para garantir que suas empresas estejam em conformidade com o imposto mínimo. Além disso, as autoridades fiscais locais terão de gerenciar a interação entre as regras do Pillar Two e as normas tributárias já existentes.

Dessa forma, a aplicação do Pillar Two evita que multinacionais movam lucros para jurisdições de baixa tributação, desincentivando a erosão da base tributária e deslocamento de lucros (profit shifting). Isso cria um nível de igualdade entre as jurisdições e busca evitar que empresas se beneficiem excessivamente de regimes fiscais muito baixos.

Os impactos na economia global

O Pillar Two tem uma importância central no contexto da reforma tributária internacional por várias razões. Como vimos, ele aborda um problema fundamental de justiça fiscal e equidade tributária na era da globalização e digitalização, garantindo que as grandes corporações multinacionais paguem uma quantidade justa de impostos em todos os países onde operam, e não apenas em jurisdições com impostos baixos ou nulos. Assim, pode-se dizer que os principais impactos que o Pillar Two provoca na economia global são:

1. Combate à Evasão Fiscal e Erosão da Base Tributária

Uma das principais razões para a criação do Pillar Two é combater a evasão fiscal e a erosão da base tributária (Base Erosion and Profit Shifting – BEPS). Multinacionais frequentemente deslocam seus lucros para paraísos fiscais ou jurisdições com baixas taxas de impostos, independentemente de onde suas atividades econômicas reais aconteçam. Isso resulta na perda de receitas fiscais em países onde as operações de fato ocorrem, prejudicando suas finanças públicas. O imposto mínimo global de 15% visa impedir essas práticas, criando um piso mínimo que evita o planejamento fiscal agressivo.

2. Equidade e Justiça no Sistema Tributário Internacional

O Pillar Two visa restabelecer a equidade no sistema tributário global. As pequenas e médias empresas, que não têm acesso às sofisticadas estratégias de planejamento fiscal internacional usadas por multinacionais, acabam pagando mais impostos proporcionalmente. Ao impor um imposto mínimo global, o Pillar Two garante que as grandes multinacionais também contribuam de maneira justa, melhorando a competitividade entre empresas grandes e pequenas. 

3. Redução da Competição Fiscal Nociva

Muitos países, especialmente aqueles com economias pequenas, competem para atrair investimentos externos oferecendo baixas taxas de imposto ou isenções fiscais a multinacionais. Isso resulta em uma concorrência predatória, onde as taxas de impostos corporativos caem globalmente, prejudicando a capacidade dos governos de financiar serviços públicos e infraestrutura. O Pillar Two estabelece um padrão mínimo que reduz essa competição fiscal nociva, pois, independentemente das políticas tributárias de um país, as empresas ainda estariam sujeitas a uma taxa mínima.

4. Aumento da Arrecadação Fiscal Global

Ao garantir que as multinacionais paguem uma taxa mínima de impostos, o Pillar Two aumenta a arrecadação tributária de diversos países, especialmente os que sofrem com a transferência de lucros para paraísos fiscais. Essa nova fonte de receita pode ser crucial para financiar serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, especialmente em países em desenvolvimento.

5. Estabilidade e Previsibilidade para as Multinacionais

Embora à primeira vista o Pillar Two possa significar um ônus adicional para as multinacionais, ele também traz estabilidade e previsibilidade ao sistema tributário global. Com regras tributárias mais claras e consistentes entre diferentes países, as empresas podem planejar melhor suas operações e reduzir a incerteza associada às legislações tributárias que variam drasticamente entre jurisdições.

6. Alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

A implementação do Pillar Two apoia os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, particularmente em áreas como a redução da desigualdade (ODS 10) e a promoção de um crescimento econômico inclusivo e sustentável (ODS 8). Garantir uma arrecadação fiscal justa permite que os governos invistam mais em áreas prioritárias, como combate à pobreza, saúde e educação, além de reduzir a dependência de políticas fiscais regressivas.

7. Incentivo à Transparência

O Pillar Two também promove maior transparência nas práticas tributárias das multinacionais. Ao garantir que as jurisdições com baixas tributações sejam monitoradas e que haja uma cobrança adicional quando os impostos pagos estiverem abaixo do mínimo global, as operações fiscais dessas empresas se tornam mais visíveis, permitindo um maior escrutínio público.

8. Impacto Global e Multilateralismo

O Pillar Two também reflete um importante passo em direção ao multilateralismo no campo tributário. A sua criação e implementação envolvem a cooperação entre dezenas de países, tornando-se um esforço global conjunto para criar um sistema tributário mais justo e sustentável. O fato de que muitos países estão se engajando nesse processo demonstra o reconhecimento coletivo da necessidade de reformas na arquitetura fiscal internacional.

A importância do Pillar Two vai além de apenas combater a erosão da base tributária e garantir um imposto mínimo. Ele redefine o sistema tributário global ao garantir que grandes empresas paguem sua parte justa de impostos, criando uma concorrência fiscal mais equilibrada e gerando recursos essenciais para o desenvolvimento econômico e social em todo o mundo. É um marco significativo na luta por um sistema tributário internacional mais equitativo e sustentável.

No Brasil

O Brasil é membro do Inclusive Framework on BEPS da OCDE, o grupo que reúne mais de 140 países para discutir e implementar a reforma tributária internacional, incluindo o Pillar Two. Como parte desse grupo, o Brasil participa das discussões e das negociações para a implementação do imposto mínimo global de 15%, além de outros aspectos do Pillar Two. 

Internamente, um dos principais desafios para o Brasil em relação ao Pillar Two é alinhar sua legislação tributária, que historicamente tem características muito próprias, com os padrões internacionais da OCDE. Embora o Brasil tenha um sistema tributário considerado relativamente complexo, o País tem buscado formas de harmonizar suas práticas com as novas regras. Isso inclui a revisão de sua abordagem em relação à tributação de empresas multinacionais e ao combate à erosão da base tributária e transferência de lucros (BEPS).

Atualmente, o sistema brasileiro de tributação das multinacionais se baseia na tributação em bases universais, ou seja, os lucros de empresas brasileiras, mesmo no exterior, estão sujeitos a impostos no Brasil. No entanto, o Pillar Two pode exigir ajustes nas regras que tratam da tributação de subsidiárias e filiais no exterior, principalmente para aplicar o imposto mínimo global e as regras de inclusão de renda (Income Inclusion Rule – IIR).

Do ponto de vista da atratividade de capital estrangeiro, a adoção do Pillar Two pelo Brasil pode ter um impacto misto sobre o investimento estrangeiro direto (IED). Por um lado, o País pode se beneficiar de uma arrecadação fiscal mais equilibrada e equitativa, o que reforça sua estabilidade fiscal. Por outro lado, multinacionais que utilizavam o Brasil como base para estratégias de planejamento fiscal podem reconsiderar suas operações no País, uma vez que o imposto mínimo global reduzirá os benefícios de tais práticas. Isso exige uma análise cuidadosa do impacto dessas reformas para garantir que o Brasil continue sendo atraente para investimentos estrangeiros. A reforma fiscal em curso atualmente pode ser uma oportunidade para que sejam incorporadas as mudanças necessárias para se alinhar ao Pillar Two, o que é crucial para garantir que o sistema tributário brasileiro seja eficiente, competitivo e justo.

A implementação do Pillar Two também pode ajudar o Brasil a fortalecer sua arrecadação fiscal ao garantir que as grandes empresas multinacionais paguem um nível mínimo de impostos. Isso é especialmente relevante num contexto em que o País enfrenta desafios fiscais, como o aumento da dívida pública e a necessidade de maior investimento em áreas como saúde, educação e infraestrutura. Ao adotar o Pillar Two, o País espera melhorar a arrecadação sem necessariamente aumentar a carga tributária sobre empresas domésticas ou cidadãos.

Do ponto de vista regional, o Brasil tem buscado maior colaboração com outros países da América Latina para adotar uma abordagem coordenada na implementação do Pillar Two. A região já possui características tributárias e econômicas semelhantes e uma implementação conjunta pode ajudar a evitar distorções no ambiente de negócios. 

Embora haja desafios significativos, como a harmonização com o complexo sistema tributário brasileiro e o impacto sobre o investimento estrangeiro, o País está comprometido com a adoção de um sistema tributário mais justo e equilibrado.

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