Governança corporativa é relevante só para grandes empresas de capital aberto?
Governança corporativa é um tema que cada vez mais vem recebendo espaço tanto na agenda das empresas e dos órgãos reguladores como na mídia. Apesar da maior discussão e disseminação do tema, um “mito” ainda se faz presente: governança corporativa refere-se apenas a grandes empresas de capital aberto. Neste artigo, que não tem a pretensão de esgotar o tema, são apresentadas algumas ideias que justificam o entendimento de que o mencionado “mito” é um equívoco.
Pode-se considerar que o tema governança corporativa passou a receber mais destaque, inclusive na mídia, a partir dos escândalos e fraudes contábeis ocorridos nos Estados Unidos, no início dos anos 2000, dos quais o caso Enron é provavelmente o mais notório. Entretanto, no Brasil, fatores como globalização, estabilidade macroeconômica, crescimento das empresas e interesse de investidores vêm acarretando uma mudança sem precedentes na economia e no ambiente de negócios, acirrando a competição e levando a impactos profundos na governança e na gestão de pequenas, médias e grandes empresas.
Por exemplo, em setores anteriormente caracterizados por mais informalidade e menor profissionalização, como os setores de ensino, frigoríficos, farmácias e drogarias, para listar alguns, verifica-se um movimento no sentido de profissionalização e adoção de melhores práticas de gestão. Prova disso são tanto as ofertas iniciais de ações como o crescimento, em anos recentes, protagonizados por empresas dos citados setores. Neste contexto, a adoção de práticas de governança corporativa torna-se imprescindível para a sobrevivência e para o crescimento sustentável de empresas de qualquer porte.
A definição mais difundida para governança corporativa, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle. Ainda de acordo com o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, as boas práticas convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade. Boas práticas, como as descritas a seguir, são aplicáveis a empresas de diversos portes.
Uma prática extremamente importante, a fim de prevenir conflitos, é o acordo de sócios, visto que a medida que passam a ter herdeiros ou uma família cresce, aumenta a possibilidade de divergência de interesses. Ademais, devem ser definidas regras sobre distribuição de dividendos, entrada e saída de sócios, sucessão tanto do patrimônio como na gestão da empresa, entre outros tópicos.
Frequentemente ignorada em empreendimentos de menor porte, porém bastante relevante, é a separação entre o patrimônio e o negócio, isto é, a distinção formal e real entre pessoa física e pessoa jurídica. A utilização de recursos da empresa para finalidades pessoais sem dúvida conduz à perda de competitividade e destrói valor.
Diversos estudos e pesquisas apontam a ausência de planejamento sucessório como uma causa proeminente para o desempenho ruim ou ainda para a mortalidade de uma empresa. É fundamental que sejam definidos critérios objetivos para a escolha tanto do principal gestor como dos demais.
Em linha com este raciocínio, devem existir critérios objetivos para o preenchimento de cargos de gestão, visto que a entrada desordenada de herdeiros, familiares e amigos pode acarretar uma série de riscos. Profissionalização não significa excluir sócios ou familiares da gestão do negócio, mas sim buscar garantir que as diversas funções sejam ocupadas por pessoas preparadas e qualificadas.
Em empresas familiares, a atuação de um conselho de família, formado por pessoas de várias gerações e com atribuições distintas daquelas de um conselho de administração, pode ser um valioso instrumento para a demarcação dos limites entre os interesses familiares e os objetivos empresariais, preservação dos valores da família, preparação de herdeiros, seja como acionistas, seja para atuarem no negócio, definição de mecanismos para proteção patrimonial e administração de bens, entre outras finalidades.
Por seu lado, um conselho consultivo, este sim com características mais próximas daquelas de um conselho de administração e que pode ser um embrião deste, pode contribuir para a criação de valor e aperfeiçoamento do processo decisório quando a empresa estiver em estágios iniciais de adoção de práticas de governança corporativa.
Os princípios de transparência e prestação de contas devem fazer parte da cultura organizacional e serem incorporados aos diversos processos da empresa, a fim de minimizar conflitos entre as partes interessadas, incluindo sócios, funcionários, herdeiros e familiares, além de diminuir a percepção de risco que investidores e fornecedores de capital possuem da empresa, com a consequente redução do custo de capital.
Conforme o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, os princípios e práticas aplicam-se a qualquer tipo de organização, independentemente do porte, natureza jurídica ou tipo de controle. Obviamente, na adoção de práticas de governança corporativa devem ser considerados diversos aspectos de uma empresa, como o histórico, a cultura organizacional, o setor de atuação e seu nível de maturidade, o porte, a complexidade dos negócios, o estágio de desenvolvimento da organização, as partes interessadas. Ou seja, o modelo de governança adotado deve refletir as características específicas e peculiares de cada organização.
As ideias apresentadas aqui, como já salientei, não têm a pretensão de esgotar o tema, mas sim de auxiliar no entendimento de que governança corporativa refere-se a empresas dos mais diversos portes e setores, mesmo as de capital fechado. Ainda, com a evolução do ambiente de negócios em nosso país, as questões de governança assumem importância crescente e tornam-se imprescindíveis para a sobrevivência e para o crescimento sustentável de empresas de qualquer porte.
* Fábio Coimbra é coordenador do MBA Gestão de Riscos e Compliance e do MBA Executivo – Gestão Empresarial da Trevisan Escola de Negócios – [email protected]
Jornal do Brasil – RJ – 14/03/2013