RESUMO: A presença das mulheres no esporte tem se tornado cada vez mais visível, e campanhas de grandes marcas, como a She Breaks Barriers da Adidas, contribuem para esse processo ao incorporar discursos de empoderamento em suas estratégias de comunicação. Este artigo investiga como a campanha utiliza elementos do feminismo para construir engajamento e valor simbólico no ambiente digital, especialmente nas redes sociais. A partir de referenciais teóricos a análise discute a performance do discurso feminista na publicidade esportiva e seus efeitos no imaginário social. O estudo busca compreender os limites e as potências desse tipo de abordagem, questionando até que ponto ela representa uma transformação concreta ou a apropriação de pautas sociais pelo marketing. Ao refletir sobre gênero, mídia e esporte, o artigo propõe uma leitura crítica da comunicação como ferramenta de disputa simbólica e reforço (ou superação) de desigualdades históricas.
Palavras-chave: Feminismo; Mídia; Marketing; Gênero.
1. Introdução
Falar de esporte é, quase sempre, falar de superação, mas nem toda história tem visibilidade. Mulheres que tentaram viver o esporte plenamente, como atletas, técnicas ou torcedoras, enfrentaram barreiras mais do que incentivos. Segundo a UNESCO, 49% das meninas abandonam o esporte na adolescência, seis vezes mais do que os meninos. É nesse cenário que campanhas como She Breaks Barriers, da Adidas, ganham relevância: destacam a presença feminina no esporte e dialogam com pautas sociais diretamente nas redes e nos vídeos.
Este artigo analisa o discurso feminista no marketing esportivo digital, com foco na campanha da Adidas, buscando entender como as mulheres são representadas e como o público reage a esse posicionamento. A proposta é observar linguagem, símbolos e valores mobilizados, avaliando se há ruptura com estereótipos ou apenas uma reconfiguração do consumo.
A campanha é tratada como construção simbólica que se conecta à história da opressão de gênero e ao papel da mídia na formação de identidades. Como apontam Knijnik e Souza (2018), “a mídia esportiva no Brasil, em sua grande maioria, reforça estereótipos de gênero”. Entender como She Breaks Barriers articula elementos do feminismo é essencial para refletir sobre seus impactos e limites na busca por igualdade de gênero no esporte.
A pesquisa adota abordagem qualitativa, analisando vídeos e postagens da campanha, além das interações do público no Twitter e YouTube. A primeira etapa avaliou como as peças representam mulheres e se rompem com estereótipos; a segunda, a recepção do público. Como afirma Bolaño (2010), “a indústria cultural não apenas molda o conteúdo da mídia, mas também define as normas sociais, as identidades e as relações de poder através do controle da informação”. Analisar essas camadas ajuda a entender as disputas simbólicas entre esporte, mídia, mercado e gênero.
2. Justificativa
A presença de discursos feministas em campanhas de marcas esportivas como She Breaks Barriers, da Adidas, tem ampliado o debate sobre os limites entre engajamento simbólico e transformação social. Ao mesmo tempo em que reforçam valores de inclusão e equidade, essas ações geram questionamentos sobre sua autenticidade e seus efeitos reais nas representações midiáticas do feminino. Diante disso, o tema mostra-se relevante para refletir criticamente sobre o uso estratégico de pautas sociais no marketing digital.
2.1 Objetivos
Este artigo tem como objetivo geral analisar como o discurso feminista é mobilizado no marketing esportivo digital, com base na campanha da Adidas. Especificamente, busca-se:
● Investigar a representação feminina na campanha;
● Compreender os elementos simbólicos mobilizados;
● Avaliar as reações do público;
● Refletir sobre os limites entre representatividade e uso comercial do feminismo.
2.3 Metodologia
A pesquisa adota abordagem qualitativa e exploratória, com base em análise bibliográfica e documental. Foram considerados autores que discutem representações midiáticas (Teixeira, 2009; Cocco, 2018), marketing e posicionamento (Aaker, 1996), apropriação de pautas sociais (Nascimento & Dantas, 2015; Lana & Souza, 2018) e crítica ao uso comercial de causas (Klein, 2004).
A análise das campanhas considerou aspectos simbólicos, discursivos e contextuais. Também foram examinados estudos de caso e interações nas redes sociais. A metodologia permitiu articular teoria e prática, evidenciando contradições entre o discurso de empoderamento e os interesses mercadológicos da publicidade atual.
3. Representação feminina na mídia
A representação feminina na publicidade baseia-se em signos culturais já naturalizados. A publicidade não cria discursos do zero, mas se apropria de representações sociais existentes para gerar identificação. Teixeira (2009) explica que “a publicidade não inventa coisas […] trazem sempre signos […] que nos são familiares” (p. 8), o que contribui para a reprodução de estereótipos, especialmente os idealizados.
Nos anúncios voltados às mulheres, é comum a associação ao espaço doméstico, retratando-as como mães e esposas realizadas. Cocco (2018) observa que essas campanhas reforçam o ideal da “dona de casa”, vinculando a mulher ao lar e à família: “criando o ideal da domesticidade e dos anúncios ‘família feliz’” (p. 30). Essa construção limita sua imagem social e reforça papéis tradicionais.
4. Feminismo
O feminismo, ao longo de suas ondas, tem influenciado discursos sociais e mercadológicos. A chamada quarta onda, marcada pelo ciberfeminismo e pela ampliação do debate nas redes sociais, tem impulsionado novas formas de apropriação do discurso feminista. Nesse cenário, o marketing passa a incorporar elementos do feminismo como ferramenta estratégica. Nascimento
e Dantas (2015) analisam como campanhas publicitárias recentes adotam valores feministas com o objetivo de gerar identificação com o público feminino. A apropriação de pautas sociais por marcas, no entanto, suscita o debate sobre a autenticidade dessas ações.
Ainda que essas representações possam ser vistas como positivas em termos de visibilidade, é necessário observar os interesses por trás dessas escolhas. Klein (2004) argumenta que, embora possam beneficiar movimentos sociais ao ampliar sua presença na mídia, as marcas obtêm lucros expressivos ao adotarem discursos de empoderamento. “As marcas ganham milhões à custa de determinados posicionamentos” (Klein, 2004, p. 65). Essa crítica reforça a necessidade de analisar com cautela a instrumentalização das pautas feministas pelo mercado publicitário.
5. Marketing
No campo do marketing, o conceito de posicionamento tem papel essencial para o destaque de marcas em um cenário competitivo. Aaker (1996) ressalta que o posicionamento permite às empresas diferenciarem-se e conquistarem vantagens em relação aos concorrentes. “O posicionamento tem uma função mais importante quando se trata de realidade no mercado, em casos onde existam concorrentes, para que possa haver vantagem competitiva e outros benefícios” (Aaker, 1996, p. 141). Isso explica por que marcas recorrem a discursos sociais em voga, como o feminismo, buscando estabelecer conexões emocionais com os consumidores e, assim, reforçar sua identidade.
Nesse contexto, surge o fenômeno do femvertising, ou publicidade que se apropria do discurso de empoderamento feminino. A prática, que ganhou força com o marketing 3.0, utiliza causas sociais como estratégia de diferenciação. Entretanto, é fundamental distinguir entre engajamento genuíno e oportunismo comercial. Como observam Lana e Souza (2018), os conceitos feministas tornaram-se parte do capital simbólico das marcas, agregando valor comercial sem necessariamente promover transformações sociais profundas.
6. Estereótipos de Gênero
A presença de estereótipos de gênero na publicidade reflete e reforça estruturas sociais excludentes. As representações da mulher, por exemplo, tendem a ser moldadas por padrões fixos de comportamento e aparência, que limitam suas possibilidades de atuação na sociedade. Com o avanço dos discursos feministas no espaço público, houve uma tentativa de desconstrução desses estereótipos. No entanto, muitas campanhas acabam reforçando novos modelos idealizados, sob o pretexto de empoderamento.
Lana e Souza (2018) observam que os conceitos feministas passaram a ser utilizados como ferramentas de diferenciação mercadológica. “Os conceitos feministas foram transformados em commodities publicitárias, utilizados para captar a atenção do público sem necessariamente romper com a lógica que sustenta os estereótipos de gênero” (Lana e Souza, 2018, p. 5). Essa abordagem cria um paradoxo: ao mesmo tempo que aparenta avançar em termos de
representação, contribui para a manutenção de expectativas normativas sob uma nova roupagem.
A publicização do “empoderamento feminino” é, assim, muitas vezes desprovida de engajamento político. Como aponta Cocco (2018), trata-se de uma estratégia alinhada ao marketing emocional, que visa criar vínculos afetivos com o público, mesmo que superficialmente. O uso do discurso feminista, nesse caso, é diluído ao ponto de não representar mais do que uma estética de inclusão. Portanto, é necessário problematizar não apenas as mensagens, como os interesses e impactos de sua veiculação.
7. Entre o estereótipo e a invisibilidade
A presença das mulheres na mídia esportiva foi, por muitos anos, marcada não pela valorização de suas capacidades atléticas, mas pela objetificação de seus corpos. Publicações tradicionais como a revista Placar, um dos principais veículos dedicados à cobertura esportiva no Brasil, foram responsáveis por consolidar uma representação sexualizada das mulheres, especialmente em suas edições voltadas ao público masculino. Em vez de celebrar o desempenho esportivo feminino ou explorar as histórias de superação das atletas, essas narrativas priorizavam imagens sensuais e enquadramentos visuais que associavam a mulher à figura do “objeto de desejo”, muitas vezes desvinculada de qualquer contexto esportivo. Esse tipo de abordagem reafirma o que Mourão e Morel (2015) identificaram ao analisar a cobertura do futebol feminino em veículos impressos, ao afirmarem que “as narrativas midiáticas sobre o futebol feminino em periódicos como O Globo, Ih Revista e Placar frequentemente se distanciam da valorização do talento esportivo, sendo mais voltadas para estereótipos que rebaixam a modalidade” (p. 54).
Capas da revista Placar da década de 1990 — Foto: Reprodução Figura 1 – Capas da revista Placar na década de 1990. Fonte: O Globo
Esse fenômeno não é isolado. Trata-se de uma estratégia recorrente na mídia esportiva, que tradicionalmente opera sob uma lógica androcêntrica, tratando o olhar masculino como padrão e marginalizando outras formas de presença e representação.
“A cobertura midiática dos esportes frequentemente reforça estereótipos de gênero, retratando mulheres como ‘exceções’ dentro do contexto esportivo dominado por homens, o que contribui para sua marginalização e invisibilidade.” (KOIVULA, 1999, p. 13)
Mesmo quando o futebol feminino começa a conquistar espaço, como apontam Martins e Moraes (2020), a cobertura ainda tende a enfatizar aspectos externos ao mérito esportivo – como a aparência das atletas ou suas vidas pessoais – o que evidencia o quanto o preconceito ainda está enraizado nas práticas jornalísticas: “embora o futebol feminino tenha conquistado mais visibilidade nos últimos anos, a forma como a mídia o apresenta ainda está carregada de preconceitos” (p. 115).
Essa lógica estereotipada não apenas reduz a mulher a atributos físicos, como reforça a ideia de que ela ocupa um lugar estranho ou provisório dentro do esporte. A linguagem utilizada nos textos jornalísticos, muitas vezes carregada de ironias ou diminutivos, contribui para a manutenção de uma estrutura simbólica de exclusão. Como destacam Mourão e Morel (2015), “a cobertura midiática do futebol feminino […] tende a marginalizar o esporte, tratando-o de forma condescendente ou utilizando uma linguagem que reforça a ideia de que as mulheres estão fora de lugar neste universo” (p. 51). Mesmo em contextos recentes de maior cobertura, como nas Copas do Mundo Femininas, a tentativa de ressignificar esse espaço ainda encontra barreiras, como analisa Lourenço et al. (2020), ao apontar que “a mídia lida com a ‘audiência masculina’ como padrão” (p. 98), o que limita uma transformação mais profunda na lógica de representação.
Ao longo do tempo, a mídia esportiva não apenas negligenciou o papel das mulheres nos campos e quadras, mas, contribuiu ativamente para a construção de um imaginário que associa o corpo feminino ao entretenimento e à sensualidade, mais do que à competência esportiva. A revista Placar e outros periódicos semelhantes exemplificam esse processo, que precisa ser continuamente revisado e criticado para que o esporte e a cobertura que o acompanha se torne, de fato, um território mais equitativo e representativo.
Análise dos elementos da campanha She breaks barriers da Adidas
A campanha She Breaks Barriers, da Adidas, responde às desigualdades de gênero no esporte ao promover um discurso de empoderamento e visibilidade para mulheres atletas. Apostando em histórias inspiradoras, o slogan busca criar um movimento coletivo de mudança nas representações femininas. Segundo a Adidas (2019), o objetivo era “promover o esporte como uma ferramenta de inclusão e oportunidade para as mulheres”.
Apesar das boas intenções, surge o questionamento sobre o real compromisso da marca com transformações sociais ou se há apenas um aproveitamento comercial da pauta. No filme da campanha, atletas como Nadia Nadim, Kristina Vogel e Candace Parker têm suas trajetórias destacadas, o que gerou reconhecimento, mas também críticas. Como aponta Polga (2017), “a apropriação do discurso feminista pelas marcas sempre é uma faca de dois gumes, pois há o risco de reduzir um movimento político a um mero produto de consumo”.
A campanha se insere numa lógica estratégica do marketing esportivo. Para Polga (2017), “a performance do feminismo no marketing das grandes corporações nem sempre resulta em uma transformação genuína das relações de poder”. Assim, o uso do feminismo pela Adidas levanta dúvidas sobre a autenticidade do engajamento, mesmo com o impacto simbólico alcançado.
Embora crie visibilidade, a campanha pode ser criticada por não avançar para ações concretas. O risco é que o discurso do empoderamento se limite à retórica, com a marca capitalizando uma demanda social para reforçar sua imagem e valor de mercado.
Figuras 2, 3, 4 e 5 retiradas do vídeo da campanha She breaks barriers. Fonte: Adidas
A campanha da Adidas articula visualidade e linguagem em uma construção simbólica que visa tanto à mobilização social quanto ao fortalecimento da marca. As imagens promovem uma diversidade intencional: mulheres negras, brancas, asiáticas, muçulmanas, jovens e veteranas são representadas em plena ação, reforçando o mérito esportivo como critério de visibilidade. Essa pluralidade rompe com os padrões historicamente reforçados por publicações como a Placar, que, como observam Mourão e Morel (2015), optavam por retratar mulheres de maneira sexualizada e marginalizada, apagando suas conquistas esportivas em favor de estereótipos de gênero. A Adidas, ao contrário, busca enfatizar o esforço, a técnica e a coletividade, deslocando a narrativa do “corpo decorativo” para o “corpo em ação”.
A linguagem utilizada reforça esse posicionamento: frases como “We are stronger together”, “Give her visibility” e “If girls don’t see women in sport, they won’t stay in sport” atuam como mantras de representatividade. Ao associar empoderamento à ideia de permanência, a marca se posiciona como agente ativo na luta contra a invisibilidade feminina no esporte. Trata-se de um discurso que se alinha ao que Adweek (2022) identifica como “posicionamento agressivo” da Adidas na promoção do protagonismo feminino, indo além da publicidade tradicional para engajar comunidades e influenciar o debate público. Essa construção está em sintonia com outras ações da empresa, como a campanha Impossible is Nothing, em que, segundo a própria Adidas (2021), o objetivo é “destacar mulheres atletas em suas próprias narrativas de superação, desafiando normas e inspirando novas gerações”.
Esse tipo de posicionamento não surge no vácuo: a intensificação da visibilidade de pautas feministas em 2018 criou um ambiente propício para que marcas incorporassem a linguagem do empoderamento feminino em suas narrativas. O fortalecimento global do movimento #MeToo, iniciado em 2017, desencadeou uma série de debates sobre gênero, poder e representatividade, especialmente nos meios de comunicação, na indústria do entretenimento e no esporte. Marchas feministas massivas, como a greve geral na Espanha e os protestos do movimento #EleNão no Brasil, mostraram que o feminismo havia deixado de ser um nicho militante para se tornar um vetor de transformação cultural e política, com ampla repercussão midiática. Esse cenário provocou uma reconfiguração das expectativas sociais em torno das marcas, que passaram a ser cobradas por posicionamentos claros diante de desigualdades históricas. A publicidade, por sua vez, passou a adotar com maior ou menor grau de comprometimento um vocabulário mais alinhado com pautas sociais, transformando a representatividade em ativo simbólico e diferencial competitivo. Como observa Gill (2008), essa nova fase da mídia não apenas responde às demandas feministas, mas rearticula o feminismo dentro da lógica do consumo, criando o que a autora chama de “feminismo sensível ao mercado” (market-friendly feminism).
“As mulheres representadas pela publicidade atual, em geral, se apresentam para serem admiradas pelas próprias mulheres” (GONÇALVES; NISHIDA, 2009, p. 57).
Um dos aspectos mais importantes foi a iniciativa de transmitir, em plataformas digitais, jogos femininos de menor visibilidade, como partidas de high school. Essa decisão aponta para um comprometimento com a base esportiva, reconhecendo que o protagonismo feminino não se constrói apenas nos grandes palcos, como também no incentivo às trajetórias invisibilizadas. Segundo o Meio & Mensagem (2022), a Adidas tem procurado romper com a lógica do espetáculo centrado na elite, investindo na visibilidade como ferramenta de inclusão e transformação social. A visibilidade, nesse caso, não é apenas uma estratégia de marketing, mas um posicionamento político, ainda que tensionado pelas dinâmicas do mercado.
No entanto, é preciso problematizar até que ponto essa campanha representa uma luta social concreta ou se insere na lógica do engajamento simbólico. Como destaca Bolaño (2010), a indústria cultural opera por meio da apropriação de discursos sociais, transformando pautas legítimas em ativos de valor mercadológico. Assim, embora a Adidas promova um discurso progressista, o uso do feminismo pode ser lido também como uma estratégia de diferenciação e fidelização de consumidores. A campanha She Breaks Barriers, portanto, é exemplar das ambiguidades do marketing contemporâneo: ao mesmo tempo que amplia o debate sobre gênero no esporte, incorpora esse mesmo debate às engrenagens da publicidade e do consumo.
Quando o feminismo vira produto: A percepção do público sobre o Femvertising
Figuras 6,7, 8 e 9 comentários retirados do Youtube e do X
A campanha She Breaks Barriers, da Adidas, gerou reações diversas. Parte do público demonstrou identificação emocional com a mensagem, reconhecendo seu impacto positivo na representatividade feminina no esporte. Comentários destacaram o efeito inspirador da campanha, especialmente para mulheres que sentiram a ausência de referências femininas em sua infância.
Por outro lado, houve quem criticasse a iniciativa, apontando um possível uso estratégico do feminismo como ferramenta de marketing. A frase “A Adidas olha para os esportes femininos e vê cifrões, não marginalização” reflete esse ceticismo. Segundo Carneiro (2017), a apropriação do empoderamento pelas marcas se intensificou com o crescimento de um mercado voltado a mulheres independentes e com maior poder de consumo.
Nesse contexto, a publicidade se apropria de representações socioculturais para estabelecer conexão com o público. Como afirma Teixeira (2009), ela mobiliza signos reconhecíveis da sociedade, o que explica o uso crescente de narrativas feministas alinhadas ao ciberfeminismo da chamada quarta onda. Nascimento e Dantas (2015) observam que essa tendência busca atrair o público feminino e, ao mesmo tempo, impulsionar vendas.
Conclusão
Diante dos fatos expostos, a análise da campanha She Breaks Barriers, da Adidas, evidenciou a complexa intersecção entre comunicação, visibilidade e representações de gênero no esporte. Ao incorporar narrativas de empoderamento feminino em suas peças publicitárias, a marca dialoga com valores simbólicos da quarta onda do feminismo, promovendo uma imagem de inclusão e força para mulheres atletas. Essa mudança representa um avanço relevante na forma como o esporte feminino é representado e consumido, considerando que, historicamente, a presença das mulheres na mídia esportiva foi marcada por apagamentos, estereótipos e desigualdade (KNIJNIK; SOUZA, 2018).
A campanha também se insere em um contexto no qual esporte e mídia são mutuamente dependentes. Como afirma Coakley (2009), “a visibilidade midiática é essencial para o sucesso e a popularidade dos atletas, especialmente as mulheres”, e, nesse sentido, ações como a da Adidas contribuem para romper barreiras simbólicas que limitam a projeção feminina. No entanto, a análise dos comentários do público evidencia uma dualidade: parte da audiência reconhece o valor da visibilidade dada às mulheres, enquanto outra questiona a autenticidade do discurso feminista mediado por interesses comerciais.
O impacto de campanhas como She Breaks Barriers vai além da estética ou da narrativa publicitária: toca diretamente a construção social da presença feminina no esporte. Como discutem Martins e Moraes (2019), a transformação desse cenário exige mudanças estruturais, para além das ações simbólicas. Ainda que iniciativas como essa gerem engajamento e reconhecimento, elas não substituem o compromisso efetivo com a equidade de gênero nas práticas esportivas e comunicacionai
Por fim, ao reforçar representações positivas e diversas das mulheres, a publicidade pode – e deve – atuar como aliada na construção de uma comunicação mais inclusiva. Contudo, como alertam Lourenço et al. (2020), o desafio é garantir que essa visibilidade não seja episódica ou superficial, mas parte de um esforço contínuo por mais espaço, respeito e valorização real das mulheres no esporte e na sociedade.
REFERÊNCIAS
AAKER, David A. Construindo marcas fortes. São Paulo: Bookman, 1996.
ADIDAS. She Breaks Barriers. Disponível em: https://www.adidas.com/us/shebreaksbarriers. Acesso em: 16 maio 2025.
ADWEEK. Adidas expands commitment to women in sports. 2022. Disponível em: https://www.adweek.com. Acesso em: 02 de maio 2025.
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Paulus, 2010.
CARNEIRO, Gabriela. Marketing e empoderamento: discursos de consumo e feminismo no contexto contemporâneo. Revista Comunicação & Sociedade, v. 39, n. 2, p. 127-145, 2017.
COAKLEY, Jay J. Sport in society: issues and controversies. Boston: McGraw-Hill, 2009.
COCCO, Patrícia. A representação feminina na publicidade brasileira. Revista Comunicação e Sociedade, v. 40, n. 1, p. 29-40, 2018.
GILL, Rosalind. Empowerment/sexism: Figuring female sexual agency in contemporary advertising. Feminism & Psychology, v. 18, n. 1, p. 35-60, 2008.
GONÇALVES, Erika; NISHIDA, Mariane. Mulheres na publicidade: reflexões sobre representações femininas nos anúncios. Revista USP, São Paulo, n. 83, p. 54-63, 2009.
KLEIN, Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. São Paulo: Record, 2004.
KNIJNIK, Jorge; SOUZA, Leandro. Mulheres no esporte: resistências e lutas por visibilidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 40, n. 2, p. 121-130, 2018.
KOIVULA, Nathalie. Gender stereotyping in televised media sport coverage. Sex Roles, v. 41, n. 7-8, p. 589–604, 1999.
LANNA, Thais; SOUZA, Mariana. A publicidade e o empoderamento feminino: apropriação de causas como estratégia de diferenciação. Revista GEMInIS, v. 9, n. 2, p. 1-12, 2018.
LOURENÇO, Vânia et al. Futebol feminino e visibilidade: mídia, gênero e audiência. Revista Comunicação & Sociedade, v. 42, p. 95-110, 2020.
MARTINS, Paula; MORAES, Bianca. Futebol feminino na mídia: avanços e resistências. Revista Esporte e Sociedade, v. 15, n. 2, p. 110-121, 2020.
MEIO & MENSAGEM. Adidas foca em inclusão e base esportiva feminina. 2022. Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br. Acesso em: 12 de maio 2025.
MOURÃO, Letícia; MOREL, Marília. Futebol feminino na mídia impressa: visibilidade com estereótipos. Revista Brasileira de Jornalismo, v. 1, n. 2, p. 50-60, 2015.
NASCIMENTO, Priscila; DANTAS, Amanda. Marketing com propósito: o uso do discurso feminista na publicidade. Revista Comunicação Midiática, v. 10, n. 2, p. 89-101, 2015.
POLGA, Juliana. O feminismo como performance publicitária: apropriações e tensões no discurso de empoderamento. Revista Estudos Feministas, v. 25, n. 1, p. 243-256, 2017.
TEIXEIRA, Lúcia. A publicidade como discurso social. São Paulo: Summus, 2009.
UNESCO. Relatório da UNESCO destaca desafios e conquistas das mulheres no esporte. Movimento Mulher 360, 2023. Disponível em: https://movimentomulher360.com.br/noticias/relatorio-da-unesco-destaca-desafios-e-conquistas-das-mulheres-no-esporte/. Acesso em: 10 de maio 2025.