Procura-se: profissionais de governança
A crise e os escândalos recentes de corrupção fizeram com algumas áreas ligadas à governança corporativa tivessem forte demanda por profissionais especializados neste ano. Recrutadores ouvidos pela RI afirmam que há um forte crescimento na busca por pessoal para ocupar cargos de compliance, gerenciamento de riscos e auditoria. Segundo os especialistas, esses ramos de atuação tendem a demandar mais mão de obra, já que são fundamentais para atrair novos investimentos e consolidar a reputação das empresas.
Para Ricardo Munhoz, diretor executivo da Thomas Case & Associados, esse aumento se deve, principalmente, pelo momento que o mercado passa e a fragilidade que as organizações têm internamente nos processos. “Hoje, cada vez mais, as empresas se preocupam na proteção e no aprimoramento do valor e da reputação corporativa e com isso vem crescendo a procura pelos profissionais na área e empresas especializadas”, diz.
Felippe Lara, sócio da Boutique Executive Search, conta que desde o caso Enron – um dos maiores escândalos corporativos envolvendo fraudes, em 2001 – tem sentido uma preocupação maior com compliance. “Investimento nas estruturas de auditoria interna e a criação da área de risco vem acontecendo de forma mais frequente nas organizações. Porém, esse movimento ocorre de maneira lenta”, observa.
A demanda por esse tipo de serviço vem, em grande parte, por empresas de capital aberto e multinacionais. “Pelo nível de exigências que o mercado traz, essas companhias acabam tendo estruturas maduras de risco”, afirma Lara. Um dos setores com maior número de vagas para esses profissionais é o de Serviços Financeiros “Áreas de compliance, riscos e auditoria são valorizadas e fortemente necessárias nesse segmento, principalmente devido ao alto controle que o Banco Central faz das instituições e aos diferentes e constantes normativos que são enviados aos bancos”, explica Frederico Vanin, diretor de recrutamento da consultoria STATO. Além do mercado financeiro, Lara destaca as seguradoras e as empresas de cartão de crédito, pelo alto volume de transações, como as que possuem as estruturas mais robustas e as práticas mais sofisticadas entre todos os setores do mercado.
De acordo com Idésio Coelho, presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), um ingrediente com potencial para aumentar ainda mais a demanda por auditoria é a necessidade de captação de recursos por empresas de todos os portes. “Dispor de demonstrações contábeis auditadas de maneira independente melhora a credibilidade, facilitando a obtenção de crédito. Ainda há espaço significativo para a entrada de pequenas e médias empresas no mercado de capitais, com benefício direto para as firmas de auditoria, em especial às de pequeno e médio portes”, avalia.
Remuneração. Apesar de variar de acordo com o negócio e o porte da empresa, a remuneração de profissionais dessas áreas varia de R$ 3 a R$ 9 mil nos níveis hierárquicos iniciais. Já para cargos de diretor, pode ultrapassar os R$ 20 mil. Segundo Frederico Vanin, da STATO, os salários devem aumentar ainda mais. “Compliance, por exemplo, é uma carreira relativamente nova nas organizações. Dado isso, no passado, profissionais Jurídicos ou de Auditoria foram deslocados para essa área, criando-a. Hoje, alguns profissionais já foram formados, porém ainda não há excedente de pessoas”, afirma.
Ricardo Munhoz, da Thomas Case & Associados, concorda com a perspectiva de alta devido a dois principais fatores: escassez de profissional qualificado pelo fato de ser uma área nova e também o crescimento no mercado, quando as empresas percebem a necessidade de processos mais seguros e confiáveis.
Empresas buscam ajuda para combater fraude e corrupção. O número de empresas no Brasil contratando auditores para investigar suspeitas de fraude e corrupção também aumentou.
“Pela primeira vez na história da minha carreira, tenho tido uma quantidade crescente por trabalhos de natureza preventiva. Só nos últimos 5 meses, crescemos 50% e tivemos um aumento no quadro de funcionários, como também um aumento de investimento na área”, conta Cynthia Catlett, sócia da área de Forensic Investigations & Disputes Services da Grant Thornton Brasil. 50% da receita da GT hoje é para trabalhos de prevenção, enquanto há 2 anos a proporção era menos de 10%.
Nos escritórios de advocacia, o movimento de alta é o mesmo. “Temos sido procurados por um número cada vez maior de empresas buscando desde orientação, até treinamentos, revisão e elaboração de políticas e, em alguns casos, simulações”, afirma Renato Chiodaro, sócio do De Vivo, Whitaker e Castro Advogados. Atualmente, o escritório conta com 6 profissionais voltados predominantemente para essa prática, sendo que, há alguns anos, esse número era menos da metade.
Nesse cenário, o impacto da Lei Anticorrupção nas empresas é visível, segundo Renato Santos, especialista em ética empresarial e coordenador do MBA Gestão de Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócios. “Há uma preocupação maior em se adequar à lei, a qual prevê duras penas, inclusive para as organizações que não demonstrarem possuir programas de integridade eficazes”, diz.
Na opinião de Santos, outro fator que contribui para aquecer a demanda é a clara visão de que o auditor “tradicional” não tem a atribuição e, consequentemente, não desenvolve competências para lidar com fraudes. “Essa diferenciação de atividades foi mais evidenciada depois do escândalo da Petrobras, uma vez que a empresa mesmo sendo auditada, não estava ‘blindada’ de fraudes”, destaca.
Profissionais especializados. Para atender a crescente demanda das organizações por gestores de alto nível que possuam sólida e ampla formação em gestão de riscos corporativos, a Trevisan Escola de Negócios elaborou o MBA Gestão de Riscos e Compliance.
Com inscrições abertas e início previsto para agosto, o curso destaca-se por fornecer uma visão integrada da gestão de riscos corporativos, em oposição à chamada “miopia de risco”, uma vez que seu conteúdo multidisciplinar relaciona tópicos como governança corporativa, riscos corporativos, controles internos, compliance, ética, governança de TI, auditoria baseada em riscos, fraudes, contabilidade e métodos quantitativos.
De acordo com Renato Santos, coordenador do curso, o MBA tem o objetivo de oferecer aos alunos uma sólida formação conceitual associada à aplicação prática, contribuindo de forma significativa para a sua vida profissional. “O principal diferencial é o Laboratório de Soluções de Riscos e Compliance, onde promovemos a discussão e pesquisas para produção nacional, considerando o contexto brasileiro, de ferramentas para mitigar riscos organizacionais”, afirma.
A maturidade, segundo Santos, é a primeira característica desse profissional, pois caso não a possua, pode gerar mais impactos negativos ao tratar uma fraude do que conviver com ela. “Uma fraude mal tratada pode gerar ações de danos morais, reclamações trabalhistas, exposição da imagem da organização, clima de desconfiança entre os colaboradores, entre outros impactos. Daí, esse profissional precisa possuir serenidade para liderar ações de prevenção e tratamento de fraude”, explica.
Ter boas noções de Direito, profundo conhecimento das ferramentas disponíveis no mercado e validadas pela legislação brasileira e, ainda, ter habilidade para analisar processos e números também são características importantes para quem deseja ocupar esses cargos.
Desafios. Em tempos de baixo crescimento e escândalos de corrupção, são grandes os desafios que esses profissionais enfrentam. Para Renato Santos, a principal dificuldade é trabalhar a ansiedade da alta administração da organização. Ele explica que isso acontece porque quando uma fraude ocorre ela afeta a lealdade que até então existia, ou que pelo menos acreditava existir e, com isso, há uma “ofensa pessoal” aos olhos dos gestores fraudados. Assim, quando ela é descoberta há uma tendência de se tomar decisões baseadas unicamente em emoções, o que diminui a chance de sucesso. “Em épocas de crise como a atual, essa ansiedade por resultados é potencializada, pois em ‘épocas de vacas gordas, a fraude corrói a gordura, em vacas magras, corrói o osso’”, ressalta.
Já Marcelo Braga, sócio da Search Consultoria em Recursos Humanos, destaca três situações de dificuldades que o profissional precisa lidar. A primeira é quando o profissional atua em uma empresa que teve problemas éticos expostos ao mercado e ele nunca conseguiu descobrir. “Nesse caso, os processos de controle da empresa ficam em xeque. Sua reputação é abalada, e obviamente sua própria empregabilidade”. A segunda é quando o profissional é recém-contratado para trabalhar em uma empresa que passou por problemas éticos. “Ele vai encontrar uma empresa em crise, time desmotivado, desconfiado, precisará ter uma forte liderança e ação rápida para estancar os problemas mais graves, transmitir confiança para o mercado, acionistas e funcionários e voltar a colocar a empresa em velocidade de cruzeiro”. A terceira situação é quando o profissional não passou por problemas, mas precisa certificar para acionistas e mercado que a empresa atua conforme as boas práticas.
Comitês de Auditoria citam incerteza, volatilidade e ambiente regulatório como os principais desafios em 2015. Comitês de auditoria ao redor do mundo apontaram que a incerteza e a volatilidade econômica e política, compliance regulatório e o risco operacional representam os maiores desafios para as empresas em 2015, de acordo com pesquisa realizada pela KPMG com 1.500 membros de comitês de auditoria e de conselhos de administração em 35 países. No Brasil, que apresentou o quarto maior número de respondentes à pesquisa, o cenário é equivalente: 60% dos respondentes apontaram como principal desafio a incerteza e a volatilidade econômica e política, 41% o compliance regulatório e 24% o risco operacional (respostas múltiplas). Pelo segundo ano consecutivo, também afirmaram ser cada vez mais difícil – em virtude do tempo e expertise do comitê de auditoria – monitorar o gerenciamento dos principais riscos do negócio, além dos riscos relacionados às demonstrações financeiras.
Em âmbito global, três em cada quatro respondentes disseram que o tempo dedicado à execução de suas atividades no comitê de auditoria (ou no conselho de administração, quando inexistir o comitê) aumentou significativamente (24%) ou moderadamente (51%), e metade disse que a realização do trabalho tem se tornado mais difícil em virtude do tempo e expertise requeridos. No Brasil, mais de 80% dos respondentes disse que o tempo dedicado aumentou: significativamente (30%) ou moderadamente (52%). Muitos afirmaram ter ao menos alguma responsabilidade sobre aspectos significativos de monitoramento de riscos — além de assegurar a qualidade das demonstrações financeiras — tais como segurança cibernética (cybersecurity) e TI, compliance e regulatório, ou o processo ou estrutura de gerenciamento de riscos corporativos em si.
“A mensagem clara é que o comitê de auditoria e o conselho de administração não podem cuidar destes assuntos sozinhos,” disse o sócio líder do ACI Institute no Brasil e da prática de Risk Consulting da KPMG, Sidney Ito. “Assegurar a qualidade das demonstrações financeiras e a atuação do auditor independente já são atividades de grande responsabilidade por si só, e o monitoramento da efetividade do gerenciamento de riscos da empresa está claramente consumindo muito da agenda desses órgãos da governança atualmente.”
Ao serem questionados sobre quais assuntos deverão exigir maior atenção em 2015, os respondentes citaram a segurança cibernética e a velocidade das mudanças tecnológicas, os riscos operacionais, e o compliance regulatório. “Uma evolução positiva é o fato de os comitês de auditoria e os conselhos estarem reavaliando ou realocando seu tempo no monitoramento do gerenciamento de riscos, considerando a sua importância”, afirmou Ito.
Mais de um terço dos respondentes disse ter realocado recentemente tais atividades entre o conselho de administração e seus comitês (acima dos 25% do ano anterior), e 32% disseram que poderão considerar fazê-lo em um futuro próximo. No Brasil, 39% dos respondentes afirmaram ter realocado o monitoramento de riscos e 30% consideram fazê-lo em um futuro próximo. “Incluir o tema risco operacional e corporativo na agenda também contribui para um entendimento mais profundo do negócio.”
Fonte: Artigo Revista RI com o tema “Procura-se: profissionais de governança – por Isabella Abreu.